Discute-se no país qual o melhor
modelo para a votação proporcional, aquela que elege vereadores e deputados
estaduais e federais. Hoje, temos o sistema baseado em listas abertas, em que
os partidos apresentam seus candidatos sem uma ordem predeterminada, competindo
aos eleitores defini-la segundo o número de votos atribuído a cada candidato.
A lista aberta é censurada por
favorecer o clientelismo (o elo de sujeição entre eleitores e candidatos
baseada na concessão de favores e benefícios) e enfraquecer as agremiações
partidárias, por instituir o duelo interno entre os integrantes de um mesmo
partido ou coligação. E não permitir discussões ideológicas. Além disso, como
boa parte dos eleitores não entende o sistema e não sabe que o voto dado ao
candidato também é dado ao partido, para formação do quociente partidário, há
um certo desconforto com a chamada “transferência de votos”.
A lista fechada e bloqueada (lista
preordenada pelo partido) é por vezes apontada como o melhor antídoto. Ela
teria o condão de fortalecer os partidos, suprimindo a luta interna, que só
existiria até a convenção que definiria a ordem dos candidatos. A partir daí,
todos marchariam coesos para a votação. Os eleitores votariam apenas nos
partidos, conforme a lista nominal por eles apresentada. O número de votos
obtido por cada partido definiria a proporção com que estaria presente no
parlamento.
Entretato, esse modelo é recusado
pela sociedade brasileira, que desconfia da capacidade dos partidos políticos
de definirem com a devida isenção a ordem com que os candidatos figurariam na
lista e, por isso, prefere votar em nomes.
O voto em lista fechada desbloqueda
(ou voto preferencial), em que o eleitor opta por um partido e, na mesma
oportunidade, por um candidato, em nada difere essencialmente da vigente lista
aberta. Igualmente favorece a manutenção vínculos personalistas e de patronato,
preterindo o saudável debate ideológico.
Parece ser o caso de pensar um modelo
híbrido, que incorpore as vantagens contidas nos sistemas de listas abertas e
fechadas, evitando ou reduzindo as suas desvantagens.
“Voto transparente”
Os partidos elaborarão listas
preordenadas de candidatos às eleições proporcionais, definidas em eleições
primárias internas, das quais participarão todos os seus filiados. A ordem na
lista será definida, portanto, pelo voto em disputas internas, com participação
de todos os filiados, as quais devem ser acompanhadas pela Justiça Eleitoral e
pelo Ministério Público.
As eleições proporcionais serão
realizadas em dois turnos. No primeiro, o eleitor votará apenas no partido,
definindo o quociente partidário e, portanto, de acordo com as regras do
sistema proporcional, quantas cadeiras cada agremiação conquistará. Quanto mais
votos o partido receber, mais cadeiras assegurará para si.
Para o segundo turno, o partido
prosseguirá com os candidatos integrantes da lista previamente ordenada e
registrada na Justiça Eleitoral, em número correspondente ao dobro das vagas
obtidas no primeiro turno de votação. Nessa segunda oportunidade, o eleitor voltará
à urna votando no candidato de sua preferência, tendo o poder de definir se
confirma a lista indicada pelo partido, caso em que poderá simplesmente votar
na legenda de sua preferência, ou se altera a ordem, dando a palavra final
sobre quem serão os eleitos.
Com isso, opera-se uma considerável
redução no número de candidatos. Por exemplo, caso o “voto transparente”
houvesse sido observado em 2012, em lugar de 432.867 candidatos a vereador
disputando as 57.434 vagas, teríamos um total de 114.868 candidatos disputando
o segundo turno. Haveria uma redução de 73,5% no número total de candidatos.
O “voto transparente” foi concebido
como um híbrido dos modelos de voto aberto e fechado. Do primeiro, herdou a
manutenção da palavra final do eleitor, a quem cabe dizer qual candidato vai de
fato exercer o mandato e representar o partido político na vaga conquistada; do
segundo, o reconhecimento da importância da ação política coletiva por meio dos
partidos, criando ambiente favorável a uma maior identidade partidária.
Coligações
Não haverá qualquer proibição à
realização de coligações. O eleitor saberá que se trata de uma união de
partidos e quais a compõem. Os partidos aliados definirão, em convenções
conjuntas e segundo seu acordo político, a ordem da lista a ser apresentada ao
primeiro turno, o que será decisivo para o seu desempenho, pois os eleitores
levarão em conta os nomes com os quais o partido pretende implementar as suas
propostas.
Compreensão do sistema
Não há complexidade na compreensão do
“voto transparente” pelos cidadãos. Este modelo é muito mais transparente que o
atualmente adotado, só compreendido por políticos experientes ou juristas
especializados. O eleitor receberá a propaganda eleitoral apenas dos partidos
políticos e saberá que deverá votar naquele de sua preferência no primeiro
turno; e no segundo turno voltará às urnas para votar no nome/candidato que
melhor represente as propostas partidárias.
Vantagem
No “voto transparente” o eleitor
continua a dar a palavra final sobre os eleitos.
O número de candidatos que realmente
disputarão o voto para vereador e deputados estaduais e federais será reduzido
consideravelmente, viabilizando a eliminação da nefasta influência do poder
econômico nas eleições.
Os partidos passam a ter mais
importância, tornando-se necessário que se diferenciem uns dos outros pelas
propostas concretas e claras, em busca do voto do eleitor no primeiro turno,
baseado exclusivamente na sigla partidária. E passam, também, a ter uma maior
responsabilidade na escolha dos seus candidatos, porque o eleitor estará de
olho na lista, desde o primeiro turno.
Como a lista preliminar de candidatos
estará previamente composta, o partido ou coligação deverá apresentar, durante
a campanha do primeiro turno, o “time” com que pretende disputar o voto
popular.
No segundo turno, o eleitor conhecerá
melhor os candidatos por meio da propaganda eleitoral gratuita, já que se
apresentarão em menor número. E, portanto, com mais tempo para exposição de
suas ideias. Os custos das campanhas serão diminuídos drasticamente. Não há
como o voto concedido a um candidato favorecer a eleição de outro, respondendo
melhor a cláusula constitucional que garante ao eleitor o “voto direto”. O
sistema é muito mais compreensível que o atual e os partidos passam a ter vida
interna mais forte e democratizada.
O “voto transparente” também
suprimirá a denominada “transferência de votos”, apontada como um defeito do
sistema vigente por produzir resultados imprevisíveis para o eleitor, que vota
em um candidato e ajuda a eleger outros. A mudança legislativa não impedirá,
contudo, que líderes políticos dotados de grande legitimação popular continuem
a atuar como “puxadores de votos”. Isso, entretanto, se dará de forma clara
para o eleitor, que estará consciente de que seu voto contribui para levar
número maior de parlamentares daquela lista para o segundo turno.
No segundo turno, a votação dirigida
isoladamente a cada um dos candidatos não mais beneficiará qualquer um dos
outros.
As eleições proporcionais terão maior
comunicação com a disputa pelos cargos no executivo. Um líder influente,
candidato ao governo de um estado, por exemplo, pode influir na obtenção de
votos pelas listas de candidatos a deputado federal e estadual.
A adoção do “voto transparente” não
implica em qualquer necessidade de Emenda à Constituição Federal, pois se
insere no conceito de sistema proporcional de votação, já contemplado em nossa
Lei Maior. Para sua adoção basta uma alteração pontual no código eleitoral, lei
ordinária neste ponto, reclamando, pois, a formação de maioria simples em cada
uma das casas do congresso nacional.
Impacto financeiro
A adoção do “voto transparente”,
combinado com o financiamento democrático das campanhas eleitorais e a vedação
da influência do poder econômico, representará uma gigantesca economia para os
cofres públicos.
O custo da realização necessária de
um segundo turno não é incrementado de forma a desaconselhar a adoção do
método. É que o segundo turno já ocorre em regra nas eleições gerais. Há casos
frequentes de todos os eleitores de alguns estados serem convocados a voltar às
urnas apenas para votar no segundo turno para presidente. Foi o que se deu nas
eleições presidenciais de 1998 em vários estados.
Além disso, o custo do segundo turno
é residual, representando um percentual baixo sobre os valores já gastos para a
realização do primeiro turno.
A redução dos custos das campanhas
viabilizará o financiamento público, poupando a sociedade do “saque” de verbas
públicas, hoje destinado ao pagamento das dívidas contraídas junto aos grandes
doadores privados.
Além disso, com a redução drástica do
número de candidatos, haverá notável economia nos processos de atualização dos
programas e na inserção de dados nas urnas eletrônicas.
Campanha
No primeiro turno a campanha será
apenas dos partidos, buscando-se convencer o eleitor a optar por essa ou aquela
agremiação. No segundo turno, o voto poderia ser novamente no partido ou ser
dirigido a um candidato em particular.
Nesse sistema, um partido coeso
ideologicamente, que não queira fomentar a luta interna, pode pedir aos seus
eleitores que votem na sigla partidária em ambos os turnos. Mas ao eleitor
caberá a decisão de agir desse modo ou de emitir voto dirigido a um candidato
em particular. Se o voto for mais ideológico, ele poderá ser dirigido
simplesmente ao partido, o que representará sua confiança no grupo,
independentemente de quem sejam os nomes dos eleitos.
No segundo turno, podendo definir a
ordem dos eleitos, o votante selecionará o candidato de sua preferência.
O modelo deixa nas mãos do eleitor a
decisão final sobre tudo. Ele escolhe o partido e o candidato da sua
preferência.
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Lista aberta
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Lista fechada
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Voto transparente
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Foco
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Centro no indivíduo
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Centro no partido
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Ênfase no partido, sem desconsideração dos
candidatos
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Definição final da ordem dos
eleitos
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Eleitor
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Partido
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Eleitor
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Financiamento (maior adequação)
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Verbas privadas
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Verbas públcias
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Verbas públicas
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Campanha
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Centro no indivíduo
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Centro no partido
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Ênfase nos partidos, sem desconsideração dos
candidatos
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Custo
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Alto custo
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Baixo custo
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Baixo custo
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Disputa entre correligionários
durante a campanha
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Alta intensidade
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Não há
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Baixa intensidade
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Transparência
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Baixa
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Alta
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Alta
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Fonte: Elaboração dos autores
Márlon Reis é juiz de Direito no
Maranhão, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e
Promotores Eleitorais e membro do Comitê Nacional do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral.
Edson de Resende Castro é promotor de
Justiça e coordenador eleitoral do MP-MG, professor de Direito Eleitoral em
cursos preparatórios e pós-graduação; autor do livro "Curso de Direito
Eleitoral" (Ed. Del Rey, 6ª edição, 2012); coautor e organizador do livro
"Lei da Ficha Limpa", Edipro, 2010; membro da Comissão de Juristas do
Senado Federal para o Novo Código Eleitoral; membro da Comissão Relatora da
Reforma Eleitoral por Iniciativa Popular, do MCCE.
Marcelo Roseno de Oliveira é juiz
Estadual no Ceará, mestre e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade
de Fortaleza, professor de Direito Eleitoral da Universidade de Fortaleza e da
Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará.
Revista Consultor Jurídico, 2 de
abril de 2013